ESCRAVIDÃO E FORMAÇÃO DE QUILOMBOS NO MARANHÃO
ESCRAVIDÃO E FORMAÇÃO DE QUILOMBOS NO MARANHÃO
O Maranhão é considerado uma sociedade escravista tardia. Foi no final do século XVIII que se desenvolveu mais fortemente uma escravidão agrícola na região, ainda que desde o século anterior escravos africanos tivessem sido utilizados como mão-de-obra (Assunção, 1996: 434).
Naquela época, formou-se o Estado do Grão-Pará e Maranhão, cuja administração era feita diretamente por Portugal. Foi fundada também a Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão. O objetivo da companhia era fortalecer o comércio mercantilista com Portugal. A atuação da companhia acarretou muitas mudanças na sociedade maranhense, como a proibição da escravidão indígena.
A partir da fundação da Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, houve um crescimento significativo de escravos africanos na região. Até 1755, calcula-se que entraram 3 mil escravos no Maranhão. No período de existência da companhia, entre 1755 e 1777, este número saltou para 12 mil (Santos, 1983: 14-15).
A compra de escravos era financiada pela Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, em troca do monopólio do comércio que ocorria no porto de São Luís. Os colonos passaram a utilizar-se de braços vindos de Cacheu, Bissau e Angola, em suas lavouras de arroz e algodão.
A entrada crescente de escravos africanos no Maranhão culminou com a chegada de 41 mil pessoas entre 1812 e 1820. Como resultado, às vésperas da Independência, 55% dos habitantes do Maranhão eram escravos. Tal número correspondia à mais alta porcentagem de população escrava do Império. Ela concentrava-se nas fazendas situadas na baixada ocidental e nos vales dos Rios Itapecuru, Mearim e Pindaré.
Esses locais tinham uma grande quantidade de matas, rios e riachos. Tal aspecto foi decisivo no momento de ocupação dos territórios pelos colonizadores: os espaços foram utilizados de forma bastante rarefeita. Essa conformação criou condições para o surgimento de quilombos em cabeceiras de rios e locais mais distantes nas florestas. Tratava-se de lugares que escapavam ao controle do Estado, permitindo que os quilombos multiplicassem e suas populações se sentissem relativamente seguras.
Sabe-se da existência de quilombos no Maranhão desde o início do século XVIII. Porém, eles tornaram-se “um fenômeno endêmico da sociedade escravista” (Assunção, 1996: 436) com a chegada da grande quantidade de escravos nos últimos anos daquele século. Mesmo que não seja possível precisar a quantidade de quilombos que existiu desde esse período até a Abolição, afirma-se que no Maranhão havia poucas fazendas escravistas sem quilombos à sua volta.
Era comum, principalmente na primeira metade do século XIX, que pequenos grupos de escravos fugidos se escondessem nas matas que cercavam as propriedades. Essas fugas ocorriam principalmente em locais que reuniam um bom número de fazendas e escravos, como Alcântara, Viana, Vitória do Mearim, Itapecuru-Mirim, Rosário e Manga do Iguará.
Diante da multiplicação dos quilombos, as autoridades maranhenses organizaram vários tipos de forças policiais para enfrentá-los. Governo e fazendeiros contavam também com os serviços dos capitães-do-mato para combater os quilombos. Porém, diante de um território imenso, o número de soldados e de capitães-do-mato sempre foi insuficiente para desarticular de forma definitiva os quilombos no Maranhão.
Além disso, ao contrário do que é comum afirmar, os quilombolas não viviam isolados de outros setores da sociedade da época. Eles relacionavam-se permanentemente com os escravos que ainda se encontravam nas propriedades. Muitos mocambeiros chegavam a trabalhar para fazendeiros. Era comum que estes últimos acobertassem os mocambeiros, se houvesse uma batida policial. Por meio dessa articulação, os quilombolas obtinham bens materiais e informações sobre a movimentação das tropas policiais.
Em vários quilombos, os ex-escravos dedicavam-se à agricultura e ao garimpo. Eles trocavam ouro e parte da produção agrícola (fumo e algodão) por produtos industrializados, como armas. Esse era o caso dos habitantes dos quilombos da região de Turiaçu, que se dedicavam à caça, pesca, extrativismo, criação de gado, agricultura de subsistência, a produção de fumo e algodão, além do garimpo.
Os quilombos em Turiaçu criaram uma rede de comércio de ouro com mercadores, fazendeiros e mesmo negociantes de vilas do litoral, como Santa Helena, Curutapera e Turiaçu. Tal conjuntura garantiu aos quilombolas a complacência de pessoas livres da elite maranhense, que estavam interessadas em ter relações pacíficas com os quilombolas que lhes vendiam ouro. Esse tipo de situação dificultava a repressão dos quilombos do Turiaçu por parte das autoridades provinciais. Tais quilombos existiam ao menos desde o começo do século XVIII. Mesmo tendo havido inúmeras tentativas de aniquilamento dos mesmos, eles atravessaram o século seguinte.
Os quilombos do Maranhão também se comunicavam entre si. Desse modo, eles trocavam notícias e planejavam ações comuns. A Insurreição de Escravos em Vianafoi uma dessas ações que causavam grande medo à sociedade escravista.
As iniciativas dos quilombolas, algumas vezes, combinaram-se ainda com as atividades políticas das camadas populares maranhenses. Tal foi o caso da Balaiada, o maior conflito ocorrido no Maranhão.
Tais situações revelam que os escravos negros maranhenses reagiram de diferentes formas à situação degradante que a escravidão estabeleceu. Enfrentando a sociedade escravista, os quilombolas escreviam importantes capítulos da história brasileira.
LUTAS, VITÓRIAS E DESAFIOS
As mulheres e os homens quilombolas no Maranhão foram pioneiros na luta pela garantia dos direitos das comunidades negras rurais quilombolas. Como avalia Ivo Fonseca, liderança quilombola que atualmente ocupa o cargo de Gestor de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretaria Extraordinária de Igualdade Racial do Maranhão, a principal vitória do movimento quilombola maranhense é o seu fortalecimento. A Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão, a ACONERUQ, é um dos símbolos dessa força.
ACONERUQ
No ano de 1997, os quilombolas do Maranhão fundaram a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão, conhecida como ACONERUQ, com o objetivo de geral de servir como fórum de representação dos quilombolas do estado. Em setembro de 2007, 423 comunidades maranhenses estavam vinculadas a tal instituição.
A ACONERUQ tem como objetivos específicos fortalecer a organização do movimento quilombola e, ainda, lutar em conjunto com as comunidades pela regularização de suas terras. Para isso, a associação incentiva a participação política dos quilombolas, organizando cursos de capacitação e criando oportunidades de troca de experiências sobre os problemas enfrentados pelas comunidades.
Entre as conquistas da ACONERUQ estão a criação da Reserva Extrativista de Frexal e a titulação de 20 territórios quilombolas até setembro de 2007. A ACONERUQ teve participação ativa também na fundação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) que articula comunidades quilombolas de diversos estados.
Segundo Raimundo Nonato Mota, Secretário de Formação e Articulação da ACONERUQ, o principal desafio continua sendo a garantia da terra. A maioria das comunidades sofre com a grilagem de seus territórios e com os conflitos originados dessa situação. Os quilombolas batalham ainda para assegurar direitos básicos, como o acesso à saúde, à educação formal, à capacitação profissional, à melhoria das condições de trabalho e de geração de renda.
Aliados na Luta
Na sua trajetória de luta, os quilombolas têm contado com apoio decisivo do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN-MA) e da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH). A ação pioneira dessas duas organizações teve início com o Projeto Vida de Negro (PVN) na década de 1980. O projeto teve como objetivo identificar e produzir estudos sobre as comunidades quilombolas maranhenses para subsidiar a luta pela regularização de seus territórios. Até julho de 2007, o PVN havia mapeado 527 comunidades e assessorado na produção de 33 processos de titulação de terras junto ao Incra e ao Iterma.
Ivan Rodrigues Costa, coordenador-geral do CCN-MA, avalia que o Projeto Vida de Negro ajudou a criar uma visão abrangente das comunidades maranhenses permitindo que a sociedade tenha uma maior percepção dos desafios que elas enfrentam.
Os quilombolas do Maranhão contam também com o apoio de outras organizações não-governamentais (tais como a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, o Centro de Justiça Global e o Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos) e de diversos pesquisadores como os ligados a Universidade Federal do Maranhão.
O Ministério Público Federal tem sido outro importante aliado na luta pela terra e na defesa dos direitos dos quilombolas, especialmente em relação ao caso que envolve as comunidades de Alcântara ameaçadas pelo Centro de Lançamento de Alcântara. O Ministério Público Federal é autor de duas ações civis públicas cujo objetivo é assegurar o direito daquelas comunidades a viver nas terras que ocupam.
SAIBA MAIS SOBRE AS COMUNIDADES
Em pelo menos 134 dos 217 municípios maranhenses existem comunidades quilombolas. A história de formação de tais quilombos varia. Alguns se originaram da fuga dos cativos, enquanto outros se formaram por meio da compra ou herança de terras, conquistadas após um longo período de trabalho escravo. Seja qual tenha sido o caminho, a formação do quilombo possibilitou aos negros passarem da condição de escravos para a de camponeses livres.
Nesta seção, você poderá conhecer um pouco mais a respeito de cinco comunidades quilombolas maranhenses. Elas foram escolhidas em função da disponibilidade de informações. Assim como acontece em todo o país, ainda são poucos os estudos mais pormenorizados a respeito da história e do modo de vida das comunidades quilombolas. A esse respeito, devem ser louvados os esforços dos pesquisadores ligados a diversas universidades brasileiras e, principalmente, do Centro de Cultura Negra do Maranhão, por meio do Projeto Vida de Negro. Tal projeto é pioneiro no trabalho de levantamento de fontes históricas e de pesquisas de campo sobre os quilombos do estado.
FONTES CONSULTADAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno
Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara. Brasília: Ibama, 2006.
ANDRADE, Maristela de Paula & SOUZA FILHO, Benedito
Fome de farinha: deslocamento compulsório e insegurança alimentar em Alcântara. São Luís: EDUFMA, 2006.
ARAÚJO, Mundinha
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ASSUNÇÃO, Matthias Röhring
A guerra dos bem-te-vis: a Balaiada na memória oral.São Luís: SIOGE, 1988.
Quilombos maranhenses In: REIS, João José & GOMES, Flávio dos Santos (orgs.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil.São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 433-466.
BRAGA, Ana Socorro Ramos (coord.)
Tambores do Piqui, cartas de liberdade: memória e trajetória da comunidade Piqui da Rampa. São Luís, 2007.
CENTRO DE CULTURA NEGRA DO MARANHÃO
Centro de Cultura Negra do Maranhão: 28 anos pela valorização e direitos da população negra do Estado do Maranhão. Apresentação de Power Point. São Luís, 2007.
“1986-2006 – 20 anos de lutas e conquistas em defesa dos direitos dos territórios quilombolas no Maranhão”. In: Revista do Centro de Cultura Negra do Maranhão/Projeto Vida de Negro. São Luís, nov. 2007.
CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCÂNTARA
https://www.cla.aer.mil.br
COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO
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Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
www.ibama.gov.br
INSTITUTO DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA
“Comunidades quilombolas de Alcântara (MA) são cadastradas pelo Incra”, Seção Notícias do sítio eletrônico https://www.incra.gov.br, 18/05/2007.
PROJETO VIDA DE NEGRO
Frechal, terra de preto: quilombo reconhecido como Reserva Extrativista. São Luís: SMDDH/CCN-PVN, 1996.
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SANTOS, Maria Januária Vilela
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SOUZA FILHO, Benedito de
Bom Sucesso: terra de preto, terra de santo, terra comum. Dissertação de mestrado em Antropologia Social. Belém: UFPA, 1998.