MULHER NEGRA NA SOCIEDADE
MULHER NEGRA NA SOCIEDADE
Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista, e ser negra numa sociedade racista.” (MUNANGA, 2006, p. 133). Historicamente em nossa sociedade a mulher sempre foi vista como um ser frágil e dependente do seu companheiro. Isso é o resultado de uma sociedade excludente, machista, onde o gênero feminino ainda continua sendo discriminado. Mas que mulher é essa? A mulher branca? A negra? A indígena...? Complexo responder sobre qual mulher se fala, pois existe apenas uma categoria, mulher. Porém, percebe-se que historicamente a sociedade estabelece formas discriminatórias que as segregam, sempre reafirmando a existência de várias. Analisa-se a existência de um preconceito histórico contra a mulher. Reflexo de um período no qual os homens sempre estiveram no poder, dominando, liderando, restando ás mulheres a obrigação de atentar para os afazeres domésticos, como também o papel preponderante e único, de gerar e cuidar dos filhos. Não diferentemente da realidade de muitas mulheres brasileiras em pleno século XXI. A partir desse papel feminino, discute-se mais especificamente, a mulher negra na sociedade brasileira. Mas, qual o lugar da mulher negra na sociedade brasileira? Para compreender esse questionamento faz-se necessário uma análise na história do nosso país. Quando o Brasil era colônia da Coroa Portuguesa, vários navios negreiros advindos da África desembarcaram em nosso país. O objetivo, dos portugueses, era trazer mão-de-obra para trabalhar nessas terras que hoje é o Brasil, já que os índios, segundo alguns teóricos, não se tornaram bons artífices para o trabalho escravo, e por isso fazia-se necessário substituir a mão-de-obra. De acordo com, Munanga (2006), a resistência dos povos indígenas ao processo de escravização teve duas consequências notáveis: a sua massiva exterminação e a busca dos africanos que aqui foram deportados para cumprir o que os índios não “puderam” fazer. Abrindo deste modo, caminho para tráfico negreiro, que foi responsável pelo tráfico de milhões de africanos para o Brasil, que aqui foram escravizados para fornecer a força de trabalho necessária ao desenvolvimento da colônia. Assim, analisa-se que [...] Foram milhões de homens e mulheres arrancados de suas raízes que morreram nas guerras de captura na própria África, nas longas caminhadas para os litorais de embarque, nas condições de confinamento, falta de comida e higiene nos armazéns humanos construídos nos portos de embarque da carga humana, na travessia, enfim nas condições de trabalho e de vida reservadas a eles nos países de destino que ajudaram a construir e a desenvolver. (MUNANGA, 2006, p. 27). Com isso, mulheres, crianças, e homens negros foram retirados brutalmente dos seus lugares de origem, sendo transportados de maneira desumana nos chamados navios negreiros para um destino sem volta, principalmente para aqueles que sobreviviam as viagens, pois muitos morriam ainda em alto mar. A partir desse breve resumo da histórica pode-se refletir, qual o lugar da mulher negra na construção da sociedade brasileira, pois partindo do pressuposto que os negros neste país foram ferramenta para o trabalho escravo. A mulher negra cuida da casa e dos filhos de outras mulheres para que estas possam cumprir uma jornada de trabalho fora de casa. Sendo assim, quando se fala que a mulher moderna tem como uma das suas características a saída do espaço doméstico, da casa, para ganhar o espaço público da rua, do mundo do trabalho, tem-se que ponderar que, na vida e na história da mulher negra, a ocupação do espaço público da rua, do trabalho fora de casa já é uma realidade muito antiga (MUNANGA, 2006). Surge uma nova inquietação. Com o passar dos tempos, a mulher negra conquistou alguns espaços na sociedade, por isso, precisa-se analisar qual o papel da mulher negra pobre na sociedade brasileira. Atualmente um novo panorama vem se formando no Brasil, com isso, a mulher tem conquistado vários direitos. Porém, direitos iguais somente no papel, nas leis. Pois, a mulher negra ainda sofre os ditames da nossa sociedade classista e desigual, uma vez que não possui a garantia dos direitos. Questiona-se, portanto, porque as mulheres negras pobres desse país, não tiveram as mesmas oportunidades, ao longo de suas vidas, que as filhas de um juiz, e de um promotor também negros? O que se percebe, é que, historicamente na democracia brasileira, a lei daquele que tem mais bens, se sobressai quando refletimos sobre qualidade de vida, de educação, de emprego etc. No entanto, deve-se questionar o porquê de tamanhas desigualdades no percurso histórico da formação da sociedade brasileira. Há visivelmente uma contradição no processo de formação da sociedade brasileira: Seres livres em suas terras de origem, aqui foram despojados de sua humanidade através de um estatuto que fez deles apenas força animal de trabalho, coisas, mercadorias ou objetos que poderiam ser comprados e vendidos; fontes de riqueza para os traficantes (vendedores) e investimentos em “máquinas animais” de trabalho para os compradores (senhores de engenhos). Foi este o regime escravista que fez do Brasil uma espécie de sociedade dividida e organizada em duas partes desiguais (como uma sociedade de castas): uma parte formada por homens livres que, por coincidência histórica, é branca, e a outra formada por homens e mulheres escravizadas que, também por coincidência histórica, é negra. (MUNANGA, 2006, p. 16). O negro foi excluído da historiografia brasileira, cabendo apenas nos autos da História como escravos. A partir da análise da história e da historiografia do Brasil, fica notório, que o negro foi tratado como um animal, pertencente a uma raça inferior, sendo por isso incapaz de desenvolver as mesmas atividades que o branco. Essa defesa da inferioridade dos negros tratava-se de uma estratégia das classes dominantes, para utilizá-los como mão-de-obra escrava, nos trabalhos braçais das lavouras de café e cana-de-açúcar. Munanga (2006), afirma que não se sabe com exatidão a data da deportação dos primeiros africanos para o Brasil. Alguns autores indicam que os africanos foram deportados a partir da primeira metade do século XVI, outros na segunda metade. Mas é a partir do século XVII, com a produção de açúcar que se constituiu na primeira atividade rentável e a partir da qual teve início a construção da base econômica da colônia brasileira, que há um tráfico negreiro mais intenso. Com o passar do tempo, os colonizadores foram descobrindo e explorando outros ramos da agricultura, como o fumo, o algodão, o café e as atividades de mineração, impondo nessas novas maneiras de obterem lucros, o modelo escravista dos engenhos da cana-de-açúcar. Segundo Sergio Buarque de Holanda, O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho [...] Os lucros que proporcionou de início, o esforço de plantar a cana e fabricar o açúcar para mercados europeus, compensavam abundantemente esse esforço – efetuado, de resto, com as mãos e os pés dos negros [...]. (HOLANDA, 2008, p. 49). Nesse contexto, de acordo com Mário Theodoro, [...] a situação vigente em meados do século XIX era tal que, bem ou mal, o negro detinha um lugar central no sistema econômico. Como escravo, sustentava a economia primário-exportadora (sobretudo o café, mas também a cana-de-açúcar, o ouro e o algodão) e, nas cidades, respondia pela maior parte dos serviços (eram artesãos, reparadores, além de executarem serviços pessoais). Havia ainda os chamados negros de ganho, escravos que ofereciam seus serviços nas ruas, cujo trabalho representava uma renda adicional para muitas famílias da classe média urbana (serviços diversos, incluindo-se aí também a prostituição e a mendicância). (THEODORO, 2008, p. 42). No âmbito dessa discussão, é que se percebe a necessidade de enfatizar a contradição existente no processo de formação da nossa sociedade brasileira, haja vista que, a mulher não possuía espaço na mesma, mas tinha todos os motivos para brigar por seus direitos, além disso, leva-se em consideração a discussão sobre a mulher negra na sociedade brasileira escravista, o que é mais complexo ainda. A mulher negra, por ser mulher não tinha os mesmos direitos que os homens, esses evidentemente homens brancos, mas também não possuíam os mesmos direitos que as mulheres brancas, e por ser negra, conforme o discurso das classes dominantes pertencia a uma classe que não merecia tanto destaque na sociedade. Mas, verifica-se na história do Brasil, que a mulher negra escrava, quando não trabalhava nos serviços braçais junto com os homens, sempre ocupava serviços domésticos, também braçais, na casa dos seus patrões, os senhores dos canaviais e, dos cafezais espalhados pelas terras brasileiras. Além disso, ainda amamentavam os filhos dos seus senhores, quando, as mães dos mesmos, não tinham condições de realizar tal tarefa, eram as chamadas amas de leite. Percebe-se, dessa forma, que a mulher negra desempenhava um papel importantíssimo na história desse país, mas, mesmo assim não era reconhecida por seus serviços, pois não pertencia a uma classe dirigente e dominante do Brasil. Muitas mulheres conquistaram a “liberdade” após anos e anos de submissão. Mas, atualmente, a mulher negra ainda sofre uma série de preconceitos na sociedade brasileira. Agora, as mesmas estão livres dos trabalhos nas casas dos senhores do café e, da cana-de-açúcar, mas, muitas delas se encontram atreladas aos serviços informais nas casas dos grandes empresários. Porém, vale enfatizar que, a mulher ocupa hoje, cargos nos empregos que só os homens angariavam, no entanto, na maioria das vezes, o seu salário é incompatível com o cargo ocupado. Entende-se dessa forma, que as mulheres, principalmente as negras e pobres, são as que mais sofrem com todo esse processo excludente de formação da nossa sociedade brasileira, ao passo em que, a oportunidade de ascender socialmente, e se afastar do subemprego está intimamente ligado, ao processo de formação dessa sociedade que hoje exclui grande parte da população do seu processo de desenvolvimento. Ou seja, quem teve maiores oportunidades no processo de formação da sociedade brasileira, terá maiores chances de galgar cargos e empregos melhores. Nesse sentido, se grande parte das mulheres negras pobres deste país, não estão numa posição social equivalente a uma minoria branca dominante, é porque essa minoria branca sempre esteve respaldada por outra minoria branca que historicamente se perpetuou como classe dominante do Brasil. Mesmo com todos os direitos, que historicamente foram conquistados pelas mulheres, como o direito moral de sair nas ruas e protestar, o direito de exercer a sua cidadania por meio do voto, o direito de concorrer a cargos políticos, etc., a mesma ainda é vista como um ser frágil a ser conquistado e, um fetiche para uma sociedade machista. Além disso, a imagem da mulher é utilizada como instrumento para o comércio, onde, principalmente, a mulher negra “famosa”, é usada como símbolo para campanhas de cosméticos. O que consiste, num verdadeiro processo de desvalorização da mulher, em detrimento, de uma incitação ao consumo de bens e produtos materiais da sociedade capitalista. O gênero feminino pode ser considerado como um dos exemplos de superação para algumas categorias de classe que lutam por seus direitos nessa sociedade excludente. Por isso, se a mulher estiver representando uma categoria de classe, e se essa categoria for negra, pode-se dizer que essas mulheres são exemplos de superação e luta, sobre tudo, porque a sociedade capitalista exclui as pessoas de tal forma do seu processo de desenvolvimento, que obrigam as mesmas a lutarem pela conquista dos seus direitos, e esse foi o papel da mulher negra na sociedade brasileira, lutar por seu lugar, lutar pela sua classe, mostrar para a sociedade machista e excludente, que as mulheres são tão capazes de participar das decisões de interesse coletivo, quantos os homens. De acordo com Munanga (2006), enquanto sujeito social importante na construção da história do nosso país, as mulheres negras vêm construindo uma trajetória de luta, perseverança e sabedoria. E, as vozes das nossas antepassadas negras, com suas dores e lutas ainda ecoam e servem de exemplo para a construção de uma sociedade digna. Todos possuem uma história, pois o presente estabelece um movimento dialético com um passado que faz parte das relações sociais. Por isso, se entende que, é através das lembranças, da trajetória individual, e principalmente, das constantes relações com o ambiente, como também por meio das diferentes relações estabelecidas com outros homens que se constrói a história, uma história tecida por mãos negras. REFERÊNCIAS BONFIM, V.M.S. A identidade contraditória da mulher negra brasileira: bases históricas. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (orgs.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 219-249. (Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira; 4). DI GREGORIO, Maria de Fátima Araújo. Memória Coletiva: estratégias de preservação da identidade cultural dos imigrantes italianos em Itiruçu-BA. Salvador: EDUNEB, 2003. FROCHTENGARTEN, Fernando. A memória oral no mundo contemporâneo. Disponível em:. Acesso em: 02 de Novembro de 2010.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2008.
KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2006. (Coleção primeiros passos; 23).
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2007.
MENDES, Juliany. Grupo de reisado mantém a tradição acesa em Irecê. Folha da Bahia. Irecê-Bahia. Fevereiro. 2006. Cultura, p. 09.
MENESES, U.T.B. A história, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Rev. Inst. Est. Bras., SP, 34: 9-24, 1992. Disponível em: . Acesso
em: 03 de Novembro de 2010.
MUNANGA, Kabengele. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006. (Coleção para entender).
RUBEM, Jackson. Irecê: História, Casos e Lendas; história, documentário. Salvador: Bureau, 1997.
SOUZA, Antônio Pereira. História e vida. In:_________. Fragmentos de história: contribuições teóricas sobre história e literatura. Rio de Janeiro: T. mais. oito, 2008, p. 11-22.
THEODORO, Mário (orgs). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008.
Esse artigo é uma adaptação do segundo capítulo da Monografia “SINÉSIA CALDEIRA BELA: AS RAÍZES DO PASSADO DE UMA MULHER NEGRA QUE AINDA ESTÃO PRESENTES NO MUNICÍPIO DE IRECÊ. -2011”
Jucelito Oliveira da Silva: Pedagogo licenciado com habilitação em docência e gestão de processos educativos.
Maria Dorath Bento Sodré: Docente mestra do curso de Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia – Campus XVI.
Patrícia Barreto de Souza: Graduanda em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia – Campus XVI.
Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista, e ser negra numa sociedade racista.” (MUNANGA, 2006, p. 133). Historicamente em nossa sociedade a mulher sempre foi vista como um ser frágil e dependente do seu companheiro. Isso é o resultado de uma sociedade excludente, machista, onde o gênero feminino ainda continua sendo discriminado. Mas que mulher é essa? A mulher branca? A negra? A indígena...? Complexo responder sobre qual mulher se fala, pois existe apenas uma categoria, mulher. Porém, percebe-se que historicamente a sociedade estabelece formas discriminatórias que as segregam, sempre reafirmando a existência de várias. Analisa-se a existência de um preconceito histórico contra a mulher. Reflexo de um período no qual os homens sempre estiveram no poder, dominando, liderando, restando ás mulheres a obrigação de atentar para os afazeres domésticos, como também o papel preponderante e único, de gerar e cuidar dos filhos. Não diferentemente da realidade de muitas mulheres brasileiras em pleno século XXI. A partir desse papel feminino, discute-se mais especificamente, a mulher negra na sociedade brasileira. Mas, qual o lugar da mulher negra na sociedade brasileira? Para compreender esse questionamento faz-se necessário uma análise na história do nosso país. Quando o Brasil era colônia da Coroa Portuguesa, vários navios negreiros advindos da África desembarcaram em nosso país. O objetivo, dos portugueses, era trazer mão-de-obra para trabalhar nessas terras que hoje é o Brasil, já que os índios, segundo alguns teóricos, não se tornaram bons artífices para o trabalho escravo, e por isso fazia-se necessário substituir a mão-de-obra. De acordo com, Munanga (2006), a resistência dos povos indígenas ao processo de escravização teve duas consequências notáveis: a sua massiva exterminação e a busca dos africanos que aqui foram deportados para cumprir o que os índios não “puderam” fazer. Abrindo deste modo, caminho para tráfico negreiro, que foi responsável pelo tráfico de milhões de africanos para o Brasil, que aqui foram escravizados para fornecer a força de trabalho necessária ao desenvolvimento da colônia. Assim, analisa-se que [...] Foram milhões de homens e mulheres arrancados de suas raízes que morreram nas guerras de captura na própria África, nas longas caminhadas para os litorais de embarque, nas condições de confinamento, falta de comida e higiene nos armazéns humanos construídos nos portos de embarque da carga humana, na travessia, enfim nas condições de trabalho e de vida reservadas a eles nos países de destino que ajudaram a construir e a desenvolver. (MUNANGA, 2006, p. 27). Com isso, mulheres, crianças, e homens negros foram retirados brutalmente dos seus lugares de origem, sendo transportados de maneira desumana nos chamados navios negreiros para um destino sem volta, principalmente para aqueles que sobreviviam as viagens, pois muitos morriam ainda em alto mar. A partir desse breve resumo da histórica pode-se refletir, qual o lugar da mulher negra na construção da sociedade brasileira, pois partindo do pressuposto que os negros neste país foram ferramenta para o trabalho escravo. A mulher negra cuida da casa e dos filhos de outras mulheres para que estas possam cumprir uma jornada de trabalho fora de casa. Sendo assim, quando se fala que a mulher moderna tem como uma das suas características a saída do espaço doméstico, da casa, para ganhar o espaço público da rua, do mundo do trabalho, tem-se que ponderar que, na vida e na história da mulher negra, a ocupação do espaço público da rua, do trabalho fora de casa já é uma realidade muito antiga (MUNANGA, 2006). Surge uma nova inquietação. Com o passar dos tempos, a mulher negra conquistou alguns espaços na sociedade, por isso, precisa-se analisar qual o papel da mulher negra pobre na sociedade brasileira. Atualmente um novo panorama vem se formando no Brasil, com isso, a mulher tem conquistado vários direitos. Porém, direitos iguais somente no papel, nas leis. Pois, a mulher negra ainda sofre os ditames da nossa sociedade classista e desigual, uma vez que não possui a garantia dos direitos. Questiona-se, portanto, porque as mulheres negras pobres desse país, não tiveram as mesmas oportunidades, ao longo de suas vidas, que as filhas de um juiz, e de um promotor também negros? O que se percebe, é que, historicamente na democracia brasileira, a lei daquele que tem mais bens, se sobressai quando refletimos sobre qualidade de vida, de educação, de emprego etc. No entanto, deve-se questionar o porquê de tamanhas desigualdades no percurso histórico da formação da sociedade brasileira. Há visivelmente uma contradição no processo de formação da sociedade brasileira: Seres livres em suas terras de origem, aqui foram despojados de sua humanidade através de um estatuto que fez deles apenas força animal de trabalho, coisas, mercadorias ou objetos que poderiam ser comprados e vendidos; fontes de riqueza para os traficantes (vendedores) e investimentos em “máquinas animais” de trabalho para os compradores (senhores de engenhos). Foi este o regime escravista que fez do Brasil uma espécie de sociedade dividida e organizada em duas partes desiguais (como uma sociedade de castas): uma parte formada por homens livres que, por coincidência histórica, é branca, e a outra formada por homens e mulheres escravizadas que, também por coincidência histórica, é negra. (MUNANGA, 2006, p. 16). O negro foi excluído da historiografia brasileira, cabendo apenas nos autos da História como escravos. A partir da análise da história e da historiografia do Brasil, fica notório, que o negro foi tratado como um animal, pertencente a uma raça inferior, sendo por isso incapaz de desenvolver as mesmas atividades que o branco. Essa defesa da inferioridade dos negros tratava-se de uma estratégia das classes dominantes, para utilizá-los como mão-de-obra escrava, nos trabalhos braçais das lavouras de café e cana-de-açúcar. Munanga (2006), afirma que não se sabe com exatidão a data da deportação dos primeiros africanos para o Brasil. Alguns autores indicam que os africanos foram deportados a partir da primeira metade do século XVI, outros na segunda metade. Mas é a partir do século XVII, com a produção de açúcar que se constituiu na primeira atividade rentável e a partir da qual teve início a construção da base econômica da colônia brasileira, que há um tráfico negreiro mais intenso. Com o passar do tempo, os colonizadores foram descobrindo e explorando outros ramos da agricultura, como o fumo, o algodão, o café e as atividades de mineração, impondo nessas novas maneiras de obterem lucros, o modelo escravista dos engenhos da cana-de-açúcar. Segundo Sergio Buarque de Holanda, O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho [...] Os lucros que proporcionou de início, o esforço de plantar a cana e fabricar o açúcar para mercados europeus, compensavam abundantemente esse esforço – efetuado, de resto, com as mãos e os pés dos negros [...]. (HOLANDA, 2008, p. 49). Nesse contexto, de acordo com Mário Theodoro, [...] a situação vigente em meados do século XIX era tal que, bem ou mal, o negro detinha um lugar central no sistema econômico. Como escravo, sustentava a economia primário-exportadora (sobretudo o café, mas também a cana-de-açúcar, o ouro e o algodão) e, nas cidades, respondia pela maior parte dos serviços (eram artesãos, reparadores, além de executarem serviços pessoais). Havia ainda os chamados negros de ganho, escravos que ofereciam seus serviços nas ruas, cujo trabalho representava uma renda adicional para muitas famílias da classe média urbana (serviços diversos, incluindo-se aí também a prostituição e a mendicância). (THEODORO, 2008, p. 42). No âmbito dessa discussão, é que se percebe a necessidade de enfatizar a contradição existente no processo de formação da nossa sociedade brasileira, haja vista que, a mulher não possuía espaço na mesma, mas tinha todos os motivos para brigar por seus direitos, além disso, leva-se em consideração a discussão sobre a mulher negra na sociedade brasileira escravista, o que é mais complexo ainda. A mulher negra, por ser mulher não tinha os mesmos direitos que os homens, esses evidentemente homens brancos, mas também não possuíam os mesmos direitos que as mulheres brancas, e por ser negra, conforme o discurso das classes dominantes pertencia a uma classe que não merecia tanto destaque na sociedade. Mas, verifica-se na história do Brasil, que a mulher negra escrava, quando não trabalhava nos serviços braçais junto com os homens, sempre ocupava serviços domésticos, também braçais, na casa dos seus patrões, os senhores dos canaviais e, dos cafezais espalhados pelas terras brasileiras. Além disso, ainda amamentavam os filhos dos seus senhores, quando, as mães dos mesmos, não tinham condições de realizar tal tarefa, eram as chamadas amas de leite. Percebe-se, dessa forma, que a mulher negra desempenhava um papel importantíssimo na história desse país, mas, mesmo assim não era reconhecida por seus serviços, pois não pertencia a uma classe dirigente e dominante do Brasil. Muitas mulheres conquistaram a “liberdade” após anos e anos de submissão. Mas, atualmente, a mulher negra ainda sofre uma série de preconceitos na sociedade brasileira. Agora, as mesmas estão livres dos trabalhos nas casas dos senhores do café e, da cana-de-açúcar, mas, muitas delas se encontram atreladas aos serviços informais nas casas dos grandes empresários. Porém, vale enfatizar que, a mulher ocupa hoje, cargos nos empregos que só os homens angariavam, no entanto, na maioria das vezes, o seu salário é incompatível com o cargo ocupado. Entende-se dessa forma, que as mulheres, principalmente as negras e pobres, são as que mais sofrem com todo esse processo excludente de formação da nossa sociedade brasileira, ao passo em que, a oportunidade de ascender socialmente, e se afastar do subemprego está intimamente ligado, ao processo de formação dessa sociedade que hoje exclui grande parte da população do seu processo de desenvolvimento. Ou seja, quem teve maiores oportunidades no processo de formação da sociedade brasileira, terá maiores chances de galgar cargos e empregos melhores. Nesse sentido, se grande parte das mulheres negras pobres deste país, não estão numa posição social equivalente a uma minoria branca dominante, é porque essa minoria branca sempre esteve respaldada por outra minoria branca que historicamente se perpetuou como classe dominante do Brasil. Mesmo com todos os direitos, que historicamente foram conquistados pelas mulheres, como o direito moral de sair nas ruas e protestar, o direito de exercer a sua cidadania por meio do voto, o direito de concorrer a cargos políticos, etc., a mesma ainda é vista como um ser frágil a ser conquistado e, um fetiche para uma sociedade machista. Além disso, a imagem da mulher é utilizada como instrumento para o comércio, onde, principalmente, a mulher negra “famosa”, é usada como símbolo para campanhas de cosméticos. O que consiste, num verdadeiro processo de desvalorização da mulher, em detrimento, de uma incitação ao consumo de bens e produtos materiais da sociedade capitalista. O gênero feminino pode ser considerado como um dos exemplos de superação para algumas categorias de classe que lutam por seus direitos nessa sociedade excludente. Por isso, se a mulher estiver representando uma categoria de classe, e se essa categoria for negra, pode-se dizer que essas mulheres são exemplos de superação e luta, sobre tudo, porque a sociedade capitalista exclui as pessoas de tal forma do seu processo de desenvolvimento, que obrigam as mesmas a lutarem pela conquista dos seus direitos, e esse foi o papel da mulher negra na sociedade brasileira, lutar por seu lugar, lutar pela sua classe, mostrar para a sociedade machista e excludente, que as mulheres são tão capazes de participar das decisões de interesse coletivo, quantos os homens. De acordo com Munanga (2006), enquanto sujeito social importante na construção da história do nosso país, as mulheres negras vêm construindo uma trajetória de luta, perseverança e sabedoria. E, as vozes das nossas antepassadas negras, com suas dores e lutas ainda ecoam e servem de exemplo para a construção de uma sociedade digna. Todos possuem uma história, pois o presente estabelece um movimento dialético com um passado que faz parte das relações sociais. Por isso, se entende que, é através das lembranças, da trajetória individual, e principalmente, das constantes relações com o ambiente, como também por meio das diferentes relações estabelecidas com outros homens que se constrói a história, uma história tecida por mãos negras. REFERÊNCIAS BONFIM, V.M.S. A identidade contraditória da mulher negra brasileira: bases históricas. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (orgs.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 219-249. (Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira; 4). DI GREGORIO, Maria de Fátima Araújo. Memória Coletiva: estratégias de preservação da identidade cultural dos imigrantes italianos em Itiruçu-BA. Salvador: EDUNEB, 2003. FROCHTENGARTEN, Fernando. A memória oral no mundo contemporâneo. Disponível em: