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Governo José Sarney

Governo José Sarney

Governo José Sarney (1985-1990): Nova Constituição e crise econômica

 

A ditadura militar no Brasil terminou com a transferência pacifica do poder aos civis, sem que isso ocasionasse uma ruptura da ordem social vigente e nem qualquer punição às Forças Armadas pelas violações dos direitos humanos perpetradas pelos órgãos de repressão.

No final do governo do general João Batista Figueiredo, as forças políticas que faziam parte do pacto de dominação estabelecido desde o golpe de 1964, tentaram se manter no poder apresentando como candidato a sucessão presidencial o político paulista Paulo Salim Maluf, pertencente ao Partido Democrático Social (PDS).

Por não concordarem com a indicação de Paulo Maluf como candidato oficial, influentes políticos do PDS abandonaram o partido e criaram outra agremiação política: o Partido da Frente Liberal (PFL). Maluf representava os interesses dos industriais paulistas, enquanto que os dissidentes que fundaram o PFL eram, em sua maioria, representantes dos interesses da região Nordeste.

Aliança PMDB-PFL

A oposição lançou como candidato o político mineiro Tancredo Neves, pertencente ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Em julho de 1984, o PFL e o PMDB firmaram uma aliança, apresentando o político José Sarney como vice-presidente na chapa de Tancredo Neves.

A eleição presidencial foi indireta, ou seja, a escolha do presidente da República coube ao colégio eleitoral formado pelos parlamentares do Senado e Camâra Federal. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves derrotou Paulo Maluf, por 480 votos contra 180.

A morte de Tancredo

A posse de Tancredo Neves na presidência da República estava marcada para 15 de março de 1985. Porém, ele não chegou a tomar posse devido a problemas de saúde. O presidente eleito foi internado às pressas e passou por sete intervenções cirúrgicas.

O estado de saúde de Tancredo Neves gerou enorme comoção social. Populares fizeram inúmeras intermináveis vigilias nos hospitais onde o presidente ficou internado. Mas a situação se agravou a tal ponto que ele faleceu, em 21 de abril, aos 75 anos de idade, de infecção generalizada.

Como sua morte ocorreu antes de ele assumir o governo, colocou-se em dúvida a legitimidade da posse do vice-presidente José Sarney na presidência da República. Políticos da oposição temiam uma intervenção militar e conseqüentemente a ruptura do processo de redemocratização. Não obstante, a união das forças democráticas forneceu a base de apoio para o vice-presidente José Sarney assumir o governo.

O vice José Sarney assume

Alguns estudiosos do período argumentam que durante o mandato presidencial de José Sarney, os militares exerceram algum tipo de tutela sobre o governo. Porém, inúmeras medidas governamentais visaram o fortalecimento das forças democráticas. Por exemplo, em maio de 1985, uma Emenda Constitucional restabeleceu as eleições diretas para as prefeituras das cidades consideradas como áreas de segurança nacional.

A emenda também abrandandou as exigências para registro de novos partidos. Desse modo, partidos políticos defensores de ideologias de esquerda, que atuavam na clandestinidade puderam se legalizar, tais como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), entre outros. Mas talvez o item mais importante da Emenda Constitucional foi a convocação de uma nova constituinte para elaboração de uma nova Carta-Magna.

Congresso constituinte

Quando ocorrem mudanças de um regime político ditatorial para um regime democrático, a expectativa geral em qualquer sociedade é com relação à elaboração de um novo conjunto de leis capazes de expressar as novas aspirações e interesses da população que foram reprimidos e contidos durante décadas de governos militares.

A Constituição em vigor era a de 1967, ou seja, estava muito defasada diante das profundas transformações ocorridas na sociedade brasileira. É neste sentido que podemos compreender a decisão tomada no início do governo de José Sarney da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que se encarregaria da elaboração de uma nova Constituição para o país.

Surgiram duas propostas para o encaminhamento da Constituinte. A primeira delas, apresentada pelo governo Sarney, defendeu a idéia de que os parlamentares eleitos para o Congresso Nacional nas eleições de 1986 fossem considerados membros da Assembléia Nacional Constituinte. A Segunda, defendia a proposta de uma eleição exclusiva para escolha de membros que se ocupariam especificamente da elaboração da nova Constituição. A proposta governamental saiu vitoriosa.

A Constituição de 1988

Durante a elaboração da nova Constituição, o conjunto das forças políticas que representavam diversos interesses da sociedade buscou defender suas prerrogativas. Ficou manifesta o surgimento de um conflito de interesses entre dois blocos ideológicos distintos. Um deles (representando os liberais) era contrário à intervenção estatal na economia, enquanto que o outro (representando as forças de esquerda) defendia a continuidade e ampliação da atuação reguladora do Estado.

Houve, porém, consenso em torno de algumas questões fundamentais relacionadas com os direitos individuais, políticos e sociais. A Constituição de 1988, também chamada "Constituição cidadã", instituiu um Estado democrático ao estabelecer extensas garantias aos cidadãos brasileiros.

No que se refere aos direitos civis e sociais, é possível apontarmos as influências da Declaração Universal dos Direitos Humanos nos artigos constitucionais que tratam da liberdade individual e das garantias de condições sociais mínimas para que os cidadãos possam gozar de uma vida digna.

Os trabalhadores obtiveram conquistas, entre as mais importantes estão: a limitação da jornada de trabalho para 44 horas semanais, o seguro-desemprego, a licença-maternidade e licença-paternidade. A Constituição também assegurou aos funcionários públicos o direito de se organizar em sindicatos e utilizar a greve como instrumento de negociação, menos nos casos dos serviços essenciais.

Apesar de indireta, a eleição de Tancredo foi recebida com entusiasmo pela maioria dos brasileiros. Tancredo, contudo,  não chegou a assumir a presidência. Na véspera da posse foi internado no Hospital de Base, em Brasília, com fortes dores abdominais, e José Sarney tomou seu lugar interinamente no dia seguinte, em 15 de março de 1985. Depois de sete cirurgias, morreu, em 21 de Abril, aos 75 anos de idade, com infecção generalizada. Em 22 de Abril, Sarney foi investido oficialmente no cargo. Governou até 1990, um ano a mais que o previsto na carta-compromisso da Aliança Democrática, pela qual chegou ao poder.

Emendão - A expressão "Nova República", criada por Ulysses Guimarães para designar o plano de governo da Aliança Democrática, foi assumida por Sarney como sinônimo de sua administração. Em 10 de maio de 1985, uma Emenda Constitucional restabeleceu as eleições diretas para as prefeituras das cidades consideradas pelo Regime Militar como áreas de segurança nacional. A emenda também concedeu o direito de voto aos analfabetos e aos jovens maiores de 16 anos, além de extinguir a fidelidade partidária e abrandar as exigências para registro de novos partidos. Isso permitiu a legalização do PCB e do PC do B e o surgimento de um grande número de pequenas agremiações. A mais importante medida dessa Emenda, todavia, foi a convocação de uma nova constituinte, que viria a publicar uma Constituição em 1988.

Plano Cruzado I - No primeiro ano de governo, a inflação chegou 225,16%. Em 1º de março de 1986, o ministro da Fazenda, Dílson Funaro, lançou o Plano Cruzado. O plano fez uma reforma monetária: cortou três zeros do Cruzeiro e substituiu-o por uma nova moeda, o Cruzado. Congelou os preços por um ano e também os salários, pelo valor médio dos últimos seis meses acrescido de um abono de 8%. Previu, ainda, o chamado "gatilho salarial": toda vez que a inflação atingir ou ultrapassar 20%, os assalariados teriam um reajuste automático no mesmo valor, mais as diferenças negociadas nos dissídios das diferentes categorias. O Plano Cruzado extinguiu a correção monetária e criou o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) para corrigir a poupança e as aplicações financeiras superiores a um ano.

O Plano Cruzado teve efeito imediato de conter a inflação e aumentar o poder aquisitivo da população. O país foi tomado por um clima de euforia. Milhares de pessoas passaram a vigiar os preços no comércio e a denunciar as remarcações feitas. São os "fiscais do Sarney". Cresceu o consumo em todos os extratos sociais. Quatro meses depois, o plano começou a fazer água. As mercadorias desaparecem das prateleiras dos supermercados, os fornecedores passaram a cobrar ágio, e a inflação volta a subir. O governo manteve o congelamento até as eleições, tentando extrair maiores dividendos políticos do plano.

A estratégia eleitoral deu certo: o PMDB, partido do Presidente, venceu nos principais Estados do país. A economia, no entanto, ficou desorganizada, e a inflação, disparada. Logo após a eleição de 1986, 21 de novembro, o Plano Cruzado II liberou os preços de produtos, serviços, autorizou que os preços dos aluguéis fossem negociados entre inquilinos e proprietários e alterou o cálculo da inflação, que passou a ser medida com base nos gastos das famílias com renda até cinco salários mínimos. Aumentou os impostos de cigarros e bebidas. Houve grande declínio das exportações e aumento considerável de importações, esgotando as reservas cambiais. Em 20 de janeiro de 1987, foi decretada moratória (suspensão de pagamento dos serviços da dívida externa). O plano provocou um aumento generalizado dos preços: bebidas, por exemplo, subiram 100%; automóveis, 80%; combustíveis 60,16%. A inflação disparou, e a população perdeu a confiança no governo. Cinco meses após sua edição, o ministro Dílson Funaro foi substituído por Luis Carlos Bresser Pereira.

 

A crise e os sucessivos planos econômicos

No governo Sarney, a economia brasileira atravessou uma grave crise sem precedentes na história republicana do país. Foram lançados diversos planos de estabilização inflacionária. Porém, nenhum deles obteve êxito. Em março de 1986, o ministro da Fazenda, Dílson Funaro, lançou o Plano Cruzado.

Plano Bresser - Bresser assumiu o ministério da Fazenda em 29 de abril de 1987. A inflação do mês seguinte chegou a 23,26%. Esse recorde foi alimentado pelo déficit público, já que o governo gastava mais do que arrecadava. Em junho, Sarney decretou o congelamento de preços, aluguéis e salários por dois meses. Para deter o déficit público, eliminou o subsídio ao trigo e adiou as grandes obras já planejadas, como a Ferrovia Norte-Sul, o pólo-petroquímico do Rio de janeiro e o trem-bala entre Rio e São Paulo, além de aumentar tributos. Foi extinto o gatilho salarial. Retomaram-se as negociações com o FMI, suspendendo a moratória. Entretanto, não se obtiveram resultados satisfatórios. No final do ano, a inflação chegou a 366%. Em 6 de janeiro de 1988 o ministro Bresser saiu, e no seu lugar entrou Maílson da Nóbrega.

Maílson da Nóbrega assumiu o Ministério da Fazenda propondo realizar uma política econômica do "Feijão com Arroz": conviver com a inflação sem adotar medidas drásticas, mas apenas ajustes localizados para evitar a hiperinflação. A inflação saiu dos 366% de 1987, para atingir 933% ao longo de 1988.

Plano Verão - Em 15 de janeiro de 1989, Maílson da Nóbrega apresentou um novo plano econômico: criou o Cruzado Novo (cortam-se três zeros); impôs outro congelamento de preços; acabou com a correção monetária; propôs a privatização de diversas estatais e anunciou vários cortes nos gastos públicos, com a exoneração dos funcionários contratados nos últimos cinco anos. Os cortes não foram feitos, o plano fracassou e a inflação disparou. Só em dezembro de 1989, os preços subiram 53,55%. De fevereiro de 1989 a fevereiro de 1990, a inflação chegou a 2.751%.

Corrupção - Em 1º de dezembro de 1988, o senador Carlos Chiarelli (PFL-RS), relator da comissão parlamentar do Senado que investigava casos de corrupção no governo federal, denunciou 29 pessoas, entre elas, o Presidente José Sarney e alguns ministros de estado. Foram acusados de usar critérios escusos na liberalização de recursos públicos. No entanto, não foram levadas à frente as acusações.

Censo - Em 1990, o censo indicou que 25,03% dos habitantes do país viviam em zonas rurais, contra 74,97% em zonas urbanas; no Norte e Nordeste as taxas referentes às populações rurais foram acentuadamente superiores à média nacional; já na região Sudeste, apontada como a de mais alto nível de desenvolvimento econômico, a porcentagem da população nas zonas rurais foi estimada em 11,67%. No Nordeste a taxa de analfabetismo era de 42,59% (contra 23,30% para o Brasil e 14,67% para a região Sudeste). Isso demonstrou a clara desordem na distribuição de renda que fica mais evidente com outra análise: no Nordeste 26,98% da população recebiam menos de um salário mínimo, para uma média nacional de 17,50%, e de 13,94% no Sudeste.



Seguiram-se os planos Cruzado II, de novembro de 1986; o Bresser, de abril de 1987; o Verão, em janeiro 1989. Todos esses planos econômicos fracassaram e a crise economica agravou-se no final do governo de José Sarney, com uma escalada da inflação que chegou a um patamar de 1800%.

As eleições diretas de 1989

De uma perspectiva institucional, o Brasil completou a transição para a democracia somente quando da realização das primeiras eleições diretas para presidente em 1989, o que não ocorria desde 1960. O pleito foi marcado por uma polarização ideológica entre a direita e a esquerda.

O político alagoano Fernando Collor de Mello, candidato do insignificante Partido da Renovação Nacional (PRN) e representante dos interesses conservadores; disputou o pleito com o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), o ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, representante das forças populares e de esquerda. Depois de uma acirrada campanha, Collor de Mello venceu o pleito com 35 milhões de votos, cerca de 5 milhões de votos a mais do que o candidato Lula. Collor assumiu a presidência da República em março de 1990.